Cabeçalho em Imagem

Cabeçalho

Novidades

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A Alma e a Imortalidade - Bertrand Russel


A ênfase cristã quando a alma individual teve profunda influência sobre a moral das comunidades cristãs. É uma doutrina fundamentalmente aparentada com a dos estoicos, surgindo, como a deles surgiu, em comunidades que não mais podiam alimentar esperanças políticas.

O impulso natural dos indivíduos vigorosos, de caráter decente, é no sentido de procurar fazer o bem, mas, se tais indivíduos são privados de todo poder político e de toda a oportunidade de influir nos acontecimentos, desviar-se-ão de seu curso natural e decidirão que o importante é serem bons. Foi o que aconteceu com os primitivos cristãos: tal impulso os levou a uma concepção de santidade pessoal como algo inteiramente independente de ação benéfica, já que a santidade tinha de ser algo que podia ser conseguido por pessoas impotentes quanto a ação.

A Virtude social, por conseguinte, veio a ser excluída da moral cristã. Até hoje, os cristãos convencionais consideram o adultério como sendo pior do que quando um político aceita suborno, embora neste último, provavelmente, cause mil vezes mais dano que o primeiro.

A concepção medieval de virtude, como a gente vê em suas pinturas, era algo aguado, débil e sentimental. O homem mais virtuoso era aquele que se afastava do mundo;  os únicos homens de ação considerados como santos, eram aqueles que desperdiçavam a vida e os haveres de seus súditos em luta contra os turcos, como São Luís.

A Igreja jamais consideraria um homem como santo por haver o mesmo reformado as finanças; o direito criminal ou o poder judiciário. Simples contribuições como essas ao bem estar humano seriam consideradas como coisas sem importância pela igreja. Não creio que haja um único santo em todo o calendário cuja santidade seja devida a uma obra de utilidade pública.

Com essa separação entre a pessoa moral e a pessoa social, verificou-se uma crescente separação entre a alma e o corpo, a qual sobreviveu na metafísica cristã e nos sistemas derivados de Descartes. Poder-se-ia dizer, falando-se de um modo geral, que o corpo representa a parte social e pública de um homem, enquanto a alma representa a parte privada. Ao dar ênfase a alma, a moral cristã tornou-se completamente individualista. Penso que o resultado claro e líquido de todos estes séculos de cristianismo foi tomar os homens mais egoístas, mais fechados em si mesmos, do que a natureza os fez – pois que os impulsos naturalmente tiram o homem para fora das paredes de seu ego são os do sexo, a paternidade, o patriotismo e o instinto de rebanho.

O Sexo, a Igreja tudo fez para desacreditar e denegrir; o afeto a família foi desacreditado pelo Próprio Cristo e pelo grosso de Seus adeptos, e o patriotismo não pôde encontrar lugar entre as populações sujeitas ao império Romano. A polêmica contra a família, os Evangelhos, é um assunto que não recebeu atenção que merece. A Igreja trata a mãe de Cristo com reverência, mas Ele próprio pouco revelou dessa atitude, ao dizer: ‘Mulher, que tenho eu contigo¿’ (João 2:4), é a Sua maneira de falar com a mãe.

Também diz que veio ‘separar o filho do seu pai, e a filha de sua mãe, e a nora de sua sogra, - e que aquele que ama o pai ou a mãe ais do que a Ele não é digno dele’ (Matheus 10: 35-37. Tudo isso significa ruptura no laço biológico da família a bem da fé – uma atitude que muito teve que ver com a intolerância que surgiu no mundo com a expansão do cristianismo.

Esse individualismo culminou na doutrina da imortalidade da alma individual, que deveria gozar, numa vida futura, de eterna bem aventurança ou de eterna aflição, segundo as circunstâncias. As circunstâncias de que dependia essa grave diferença eram um tanto curiosa. Se, se morria, por exemplo, imediatamente após haver um sacerdote espargido águas sobre a gente, ao mesmo tempo em que pronunciava certas palavras, herdava-se a bem aventurança eterna; mas se depois de uma longa e virtuosa vida, acontecesse de a gente ser fulminado por um raio, num momento em que se estivesse proferindo palavras feias, por se haver rompido o cordão do sapato, herdava-se o suplico eterno.

Não digo que o cristão protestante moderno acredita nisso, nem mesmo, talvez, o cristão católico moderno que não haja sido adequadamente instruído em teologia, mas digo que isto faz parte da doutrina ortodoxa e que se acreditou nisso até tempos bastante recente. No México e no Peru, os espanhóis costumavam batizar as criancinhas indígenas e esmigalhar imediatamente o cérebro: asseguravam, por esse meio,  ingresso de tais criancinhas no céu.


Nenhum cristão ortodoxo poderá encontrar qualquer razão lógica para condenar tal ação, embora todos hoje em dia o façam. São incontáveis as maneiras pela qual a doutrina da imortalidade pessoal, em sua forma cristã, teve efeitos desastrosos sobre a moral, sendo que a separação metafísica da alma e do corpo teve efeitos desastrosos sobre a filosofia.
  • Comentários do Blogger
  • Comentários do Facebook

0 comentários:

Postar um comentário

Item Reviewed: A Alma e a Imortalidade - Bertrand Russel Rating: 5 Reviewed By: Gabriel Orcioli