Publicado em 1930.
Minha opinião sobre a religião é a
mesma que a de Lucrécio. Considero-a como uma doença nascida do medo e como uma
fonte de indizível sofrimento para a raça humana. Não posso porém, negar que
ela trouxe contribuições a civilização.
Ajudou, nos primeiros tempos, a
fixar um calendário, e levou os sacerdotes egípcios a registrar os eclipses com
tal cuidado que, com o tempo, foram capazes de predizê-los. Estou pronto a
reconhecer esses dois serviços, mas não tenho conhecimento de quaisquer outros.
A palavra ‘religião’ é hoje usada
num sentido livre. Certas pessoas, sob a influência de um protestantismo
extremo, empregam essa palavra para denotar todas as convicções pessoais sérias
relativas a moral ou a natureza do universo. Esse emprego da palavra é
inteiramente anti-histórico.
A religião é, antes de mais nada,
um fenômeno social. É possível que as Igrejas devam sua origem a mestres
dotados de fortes convicções individuais, mas tais mestres raramente tiveram
muita influência sobre as Igrejas que fundaram, enquanto que as Igrejas tiveram
enorme influência sobre as comunidades em que floresceram. Para tomarmos um
caso de sumo interesse para os membros da civilização para os membros da
civilização ocidental: os ensinamentos de Cristo, tais como aparecem nos
Evangelhos, tiveram, extraordinariamente, pouco que a ver com a ética dos
cristãos.
A coisa mais importante sobre o
cristianismo, do ponto de vista social e histórico, não é Cristo, mas a Igreja,
e se quisermos considerar o Cristianismo como uma força social, não é nos
Evangelhos que devemos procurar o nosso material; Cristo ensinou que deveríamos
dar nosso bens aos pobres, que não deveríamos lutar, que não deveríamos ir a
igreja e que deveríamos punir o adultério. Nem os católicos, nem os
protestantes, demonstraram qualquer desejo forte de seguir os Seus ensinamentos
a qualquer desses respeitos.
Certos franciscanos, é verdade,
tentaram ensinar a doutrina da pobreza, mas o Papa os condenou, e suas
doutrinas foram declaradas heréticas. Ou, então, consideramos um texto como o
de ‘Não julgueis para que não sejais julgados’, e perguntemos a nós próprios
que influência tal texto teve sobre a Inquisição e a Ku-Klux-Klan.
O que é verdade com respeito ao
Cristianismo, também o é com respeito ao Budismo. Buda, era amável e
esclarecido: em seu leito de morte, riu de seus discípulos, que o consideravam
imortal. Mas o sacerdócio budista – tal como existe, por exemplo, no Tibet –
sempre foi obscurantista, tirânico e cruel no mais alto grau.
Nada há de acidental quanto a essa
diferença entre uma Igreja e o seu fundador. Logo que se supõe que a palavra de
certos homens contém a verdade absoluta, surge um corpo de especialistas para
interpretar seus ensinamentos, e tais especialistas adquirem, infalivelmente,
poder, já que possuem a chave da verdade.
Como qualquer outra casta
privilegiada, usam de seu poder em seu próprio benefício. São, porém, em certo
sentido, piores do que qualquer outra casta privilegiada, pois que sua função
consiste em expor uma verdade imutável, revelada uma vez por todas em sua
suprema perfeição, de modo que se tomam, necessariamente, adversários de todo
progresso intelectual e moral.
A Igreja opôs-se a Galileu e a
Darwin; em nossos dias, opõe-se a Freud. Na época de seu maior poder, foi ainda
mais longe, em sua oposição a vida intelectual. O Papa Gregório, o Grande,
escreveu a um certo bispo uma carta que começava assim:
‘Chegou a meu conhecimento uma
informação a que não podemos nos referir sem corar: a de que ensinas gramática
a certos amigos ‘. O bispo foi obrigado, pela autoridade pontifica, a desistir
desse pecaminoso trabalho, e a Latinidade não se refez até a Renascença.
Não é apenas intelectualmente, mas
moralmente, que a religião é perniciosa. Quero dizer, com isto, que ela ensina
preceitos éticos que não conduzem a felicidade humana. Quando , há poucos anos,
se realizou na Alemanha um plebiscito para se saber se as casas reais depostas
deviam ainda ter o privilégio de gozar de suas propriedades privadas, as
Igrejas, na Alemanha, declararam oficialmente que seria contrário aos
ensinamentos do cristianismo priva-las disso. As Igrejas como todos sabem,
opuseram-se, enquanto ousaram fazê-lo, a abolição da escravidão e, salvo algumas
poucas exceções bastante anunciadas, opõem-se, no presente, a todos os
movimentos que tem por objetivo a justiça econômica. O papa condenou
oficialmente o socialismo.
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