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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O Nascimento do Ateísmo Humanista

            Num trecho de sua A Gaia Ciência, este homem heterogêneo que nasce com a modernidade é chamado de “homem da renúncia”, tal homem de forma imperativa nega-se a ser consolado pelas velhas ilusões metafísicas, movimento negativo (niilista) que lhe possibilita a transvaloração apontada como novo caminho pelo projeto nietzschiano. Sobre isso lemos:
            …não há mais razão no que acontece, nem amor no que lhe acontecer – para o seu coração já não há pousada aberta, onde ele só tenha de encontrar e não mais procurar, você resiste a qualquer paz derradeira, você quer o eterno retorno da guerra e da paz: – homem da renúncia, em tudo você quer renunciar? Quem lhe dará a força para isso? Ninguém jamais teve essa força! – existe um lago que um dia se negou a escoar, formou um dique onde até então escoava: desde esse instante ele sobe cada vez mais. Talvez justamente essa renúncia nos empreste a força com que a renúncia mesma seja suportada; talvez o homem suba cada vez mais, já não tendo um deus no qual desaguar. (Nietzsche, 2007, p.193)

            As reflexões de Nietzsche neste fragmento apontam para o homem que nasce com a dolorosa fragmentação do mundo ocorrida no século XIX. Segundo a visão do filósofo esta nova “criatura”, por ver-se órfão de seu antigo “criador transcendental”, precisava buscar a força de seu movimento de ascensão na própria consciência de sua solidão abismal. 

            Com a metáfora do lago Nietzsche ilustra a irreversibilidade do roteiro alternativo tomado pela modernidade e, de maneira indireta, indica que a única forma de suportar o tremendo vazio produzido pela nova postura ativa da renúncia dos antigos valores, era aceitar o novo fluxo das águas multivalorativas da modernidade.

            Ao dizer que o homem da renúncia deseja o “eterno retorno da guerra e da paz”, Nietzsche está evidentemente fazendo menção à sabedoria agonística proposta pelo filósofo grego Heráclito, que dizia: “de todos a guerra é pai, de todos é rei [...]” (Heráclito, 2002, p.200). O par de opostos “guerra-paz” neste contexto indica a transitoriedade ao mundo real, característica que era eclipsada pelo ideal religioso de um mundo supra-sensível imutável. O nomadismo desse novo homem renunciante afasta-lhe cada vez mais desta figura estática de um mundo eterno e fixo, ele não busca mais “pousada” em algo além de si próprio. Mesmo sabendo que Deus (como metáfora última de um "salvador imutável" que lhe oferecia consolo) está morto, este novo "homem desencantado" resolve, diante deste esvaziamento metafísico cada vez mais evidente nas sociedades secularizadas, viver às expensas de sua própria força terrena. Eis aí o início do Ateísmo Humanista. Prof. Marcos de Oliveira / Leia o livro AUTÓPSIA DO SAGRADO / Compre online ou fisicamente na livraria Martins Fontes.
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Item Reviewed: O Nascimento do Ateísmo Humanista Rating: 5 Reviewed By: Gabriel Orcioli